1 de novembro de 2010

Excerto do texto "Ele tomou Viagra, Ela chamou a Polícia"

«Então, diga-me lá», começou por lhe dizer Solidónio Matos. «O senhor doutor vai ou não passar-me a receita para os tais comprimidos azuis do Viagra?», perguntou-lhe logo a seguir, sem mais considerações nem rodeios.
«Tente lá perceber uma coisa, senhor Solidónio», começou por lhe dizer o doutor Carlos Prudêncio. «Aquilo que lhe disse ainda há pouco acerca das limitações relativas às prescrições de medicamentos a alguns doentes não é para este tipo de fármacos, nem é para pessoas com as idades que têm o senhor Solidónio e a senhora dona Maria da Encarnação», acrescentou logo a seguir.
«Tem razão, doutor», começou por lhe dizer Solidónio Matos. «Mas olhe lá, doutor, passe-me lá a tal receita para os comprimidos azuis do Viagra, que eu e a minha patroa cá nos haveremos de arranjar», acrescentou logo a seguir, com uma postura calma e tranquila.
«Três comprimidos», começou por lhe dizer o doutor Carlos Prudêncio. «É uma embalagem com apenas três comprimidos, aquilo que eu lhe vou receitar», acrescentou logo a seguir.
«Não importa doutor», começou por lhe dizer Solidónio Matos. «No fundo, é apenas para experimentar», acrescentou logo a seguir.
«O senhor Solidónio deve tomar apenas um comprimido cerca de uma hora antes», começou por lhe dizer o doutor Carlos Prudêncio, enquanto lhe prescrevia a receita. «E os outros dois comprimidos, o senhor Solidónio guarda-os para as outras duas vezes», acrescentou logo a seguir, tentando ser o mais explícito possível em relação às indicações que lhe estava a dar.
«Entendido», começou por lhe dizer Solidónio Matos. «O senhor doutor é que manda», acrescentou logo a seguir.
«Eu já nem sei o que lhe diga, senhor Solidónio», conseguiu dizer o doutor Carlos Prudêncio, antes de ter sido interrompido.
«Não diga nada, doutor, que eu também vou tentar fazer o mesmo», limitou-se a dizer Solidónio Matos, depois de o interromper.
«Tenha um bom dia, senhor Solidónio», limitou-se a dizer o doutor Carlos Prudêncio, pouco tempo depois, já em jeito de despedida.
«Desejo-lhe um bom dia também para si, doutor», começou por lhe dizer Solidónio Matos. «E o doutor não se preocupe, o doutor Carlos Prudêncio não se preocupe, que eu e a minha patroa cá nos haveremos de arranjar», acrescentou logo a seguir, tendo-lhe repetido assim aquilo que já lhe tinha dito antes.
«Eu já sabia», começou por dizer o doutor Carlos Prudêncio, como se estivesse apenas a falar consigo próprio. «A velhice não nos traz sabedoria nenhuma, apenas nos dá autorização para fazer outro tipo de loucuras», acrescentou logo a seguir, palavras que Solidónio Matos ainda conseguiu ouvir, quando já se encontrava a transpor a porta de saída do consultório, com a pretendida receita para os comprimidos do Viagra na mão.


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"Ele tomou Viagra, Ela chamou a Polícia" é um texto de Miguel Almeida incluído no livro "Já não se fazem Homens como antigamente" da Editora Esfera do Caos.

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